segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pequeno Italiano

Andava sujo e solitário pelas ruas de uma Veneza medieval o pequeno Estevão, buscando comida e abrigo, assim como escapar da tenebrosa peste.
Dia após dia o rapazinho enfrentava os descasos que se passa ao morar na rua, e todos os desaforos e mentiras de outros comparsas indigentes que habitavam as redondezas.
Certa tarde de verão, o menino caminhava pelas beiras do rio quando topou com uma moeda de ouro caída na grama próxima à margem. Sentiu-se sortudo, o que era extremamente raro em sua vida.
Estevão se abaixou ligeiramente para pegar a moeda que agora lhe pertencia, mas logo sentiu uma irrefutável dor na mão, que agora se encontrava abaixo da sola do sapato do pesado Carlo, seu pior inimigo. Escorria sangue e a moeda havia lhe escapado entre os dedos.
Amaldiçoava sua burrice por ter ficado tão fascinado com a moeda e não ter olhado para os lados antes de se abaixar. Agora Carlo e toda sua trupe o olhavam de cima abaixo e não economizavam risadas traiçoeiras e comentários censuráveis.
Foram embora carregando o motivo da felicidade instantânea de Estevão no bolso, sem saber que ele nunca mais se esqueceria desse episódio, alimentando sua fome por vingança.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

limoeiro

Ela andou durante horas, não sabia onde estava nem para onde estava indo, apenas andou.
Finalmente chegou a um limoeiro. Não havia mais nada lá. Nem chão, nem céu sobre sua cabeça, apenas um antigo e encurvado limoeiro. Abatido pela seca.
Então ela se deu conta de tudo o que mais precisava naquele momento, era sentir o gosto azedo e cítrico de um limão verde entre seus lábios, a acidez entre os poros de sua língua, pele e ranhuras nos dentes. Ela cobiçava isso.
Procurou avidamente por uma fruta naquele pé, e quanto mais procurava mais sua vontade aumentava, e nessa medida aumentava também sua desesperada decepção ao ver que aquele limoeiro não havia gerado fruto. Estava na época errada. Era melhor desistir, não há nada aqui que pudesse suprir seu anseio pelo azedume.

domingo, 15 de agosto de 2010

No Fear

Pedem-na que feche os olhos e dizem que tudo estará bem pela manhã. Mas como ela pode confiar à escuridão seus olhos fechados, se isso atiçaria uma série de incertezas e medos, na calada da noite?
Não, ela não vai fechar os olhos, por ora. Ela não vai se entregar ao desafio de passar horas a fio solitária, deitada em sua cama dura, sem nenhuma esperança além da de que o sol vai aparecer em algum momento.
O Sol! Agora lembrou. Onde estaria o astro agora, que não iluminando seu quarto, já emerso em desespero?
Sentiu-se distante e fria, em algum lugar entre Urano ou Netuno.
E a noite corria...
Quando já não suportava segurar os olhos abertos, entregou-se ao repouso, com suas vísceras já entaladas de cansaço, seu corpo depois de Plutão.
E a mente voa longe, longe...

Não tema, minha querida. Durante a noite, há escuridão.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Aos 13 anos, em meus devaneios noturnos antes de dormir, eu fechava os olhos e perguntava a Deus se eu agüentaria mais 47 anos de vida, se cinco décadas não era tempo demais para um garoto continuar nessa terra, vivendo à base de pão e sertão.
Os anos passavam e cada vez mais eu agradecia à Virgem Maria por ter saído daquela seca miserável onde aquele povo-sem-raça construía suas casas com barro e pouco esmero.
Aos 30, já estava acostumado com a vida na cidade, mulheres, moeda e escritório. Mas, por Deus, mais 30 anos é tempo demais para um inconfidente.

Aos 60, quando a luz diurna penetra meu quarto e me faz despertar, eu rogo a Deus em sua misericórdia por mais 1 dia, e mais outro, porque 60 anos é pouco tempo para um sertanejo
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